Marina de Andrade Marconi
1 Natureza da cultura
A cultura, para os antropólogos em geral, constitui-se no “conceito básico e central de sua ciência”, afirma Leslie A. White (In Kahn, 1975:129).
O termo cultura (colere, cultivar ou instruir; cultus, cultivo, instrução) não se restringe ao campo da antropologia. Várias áreas do saber humano - agronomia, biologia, artes, literatura, história etc. - valem-se dele, embora seja outra a conotação.
Muitas vezes, a palavra cultura é empregada para indicar o desenvolvimento do indivíduo por meio da educação, da instrução. Nesse caso, uma pessoa ‘‘culta” seria aquela que adquiriu domínio no campo intelectual ou artístico. Seria “inculta” a que não obteve instrução.
Os antropólogos não empregam os termos culto ou inculto, de uso popular, e nem fazem juízo de valor sobre esta ou aquela cultura, pois não consideram uma superior à outra. Elas apenas são diferentes em nível de tecnologia ou integração de seus elementos. Todas as sociedades - rurais ou urbanas, simples ou complexas - possuem cultura. Não há indivíduo humano desprovido de cultura exceto o recém-nascido e o homo ferus; um, porque ainda não sofreu o processo de endoculturação, e o outro, porque foi privado do convívio humano.
Para os antropólogos, a cultura tem significado amplo: engloba os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos, em sociedade.
1.1 Conceituação
Desde o final do século passado os antropólogos vêm elaborando inúmeros conceitos sobre cultura. Apesar da cifra ter ultrapassado 160 definições, ainda não chegaram a um consenso sobre o significado exato do termo. Para alguns, cultura é comportamento aprendido; para outros, não é comportamento, mas abstração do comportamento; e para um terceiro grupo, a cultura consiste em idéias. Há os que consideram como cultura apenas os objetos imateriais, enquanto que outros, ao contrário, aquilo que se refere ao material. Também encontram-se estudiosos que entendem por cultura tanto as coisas materiais quanto as não-materiais.Alguns conceitos, para melhor esclarecimento, serão apresentados aqui, obedecendo a uma ordem cronológica e com as diferentes abordagens.
Edward B. Tylor (1871) foi o primeiro a formular um conceito de cultura, em sua obra Cultura primitiva. Ele propôs: “Cultura... é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (In Kahn, 1975:29). O conceito de Tylor, que engloba todas as coisas e acontecimentos relativos ao homem, predominou no campo da antropologia durante várias décadas.
Para Ralph Linton (1936), a cultura de qualquer sociedade “consiste na soma total de idéias, reações emocionais condicionadas a padrões de comportamento habitual que seus membros adquiriram por meio da instrução ou imitação e de que todos, em maior ou menor grau, participam” (1965:316). Este autor atribui dois sentidos ao termo cultura: um, geral, significando “a herança social total da humanidade”; outro, específico, referindo-se a “uma determinada variante da herança social” (96).
Franz Boas (1938) define cultura como “a totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que compõem um grupo social...” (1964:166).
Malinowski (1944), em Uma teoria científica da cultura, conceitua cultura como “o todo global consistente de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os vários agrupamentos sociais, de idéias e ofícios humanos, de crenças e costumes” (1962:43).
O mais breve dos conceitos foi formulado por Herkovits (1948), embora este não seja o único: “a parte do ambiente feita pelo homem” (1963:31).
Kroeber e Kluckhohn (1952), em Culture: a critical review of concepts and definitions, referem-se à cultura como “uma abstração do comportamento concreto, mas em si própria não é comportamento” (1952:19).
Beals e Hoijer (1953) também são partidários da cultura como abstração. Afirmam eles: “a cultura é uma abstração do comportamento e não deve ser confundida com os atos do comportamento ou com os artefatos materiais, tais como ferramentas, recipientes, obras de arte e demais instrumentos que o homem fabrica e utiliza” (1969:265 ss).
Para Felix M. Keesing (1958), a cultura é “comportamento cultivado, ou seja, a totalidade da experiência adquirida e acumulada pelo homem e transmitida socialmente, ou ainda, o comportamento adquirido por aprendizado social” (1961:49).
Leslie A. White (1959), em O conceito de cultura (In Kahn, 1975: 129 ss), faz diferença entre comportamento e cultura. Para ele, é:
• Comportamento - “quando coisas e acontecimentos dependentes de simbolização são considerados e interpretados face à sua relação com organismos humanos, isto é, em um contexto somático” - relativo ao organismo humano;
• Cultura - “quando coisas e acontecimentos dependentes de simbolização são considerados e interpretados num contexto extra-somático, isto é, face à relação que têm entre si, ao invés de com os organismos humanos” - independente do organismo humano.
Dessa forma, comportamento pertence ao campo da Psicologia e cultura ao campo da Antropologia.
Para White, esse conceito “livra a Antropologia cultural das abstrações intangíveis, imperceptíveis e ontologicamente irreais e proporciona-lhe uma disciplina verdadeira, sólida e observável”.
G. M. Foster (1962) descreve a cultura como “a forma comum e aprendida da vida, compartilhada pelos membros de uma sociedade, constante da totalidade dos instrumentos, técnicas, instituições, atitudes, crenças, motivações e sistemas de valores conhecidos pelo grupo” (1974:21).
Mais recentemente, Clifford Geertz (1973) propõe: “a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle - planos, receitas, regras, instituições - para governar o comportamento”. Para ele, “mecanismos de controle” consistem naquilo que G. H. Mead e outros chamaram de símbolos significantes, ou seja, “palavras, gestos, desenhos, sons musicais, objetos ou qualquer coisa que seja usada para impor um significado à experiência” (1978:37). Esses símbolos, correntes na sociedade e transmitidos aos indivíduos - que fazem uso de alguns deles, enquanto vivem -, permanecem em circulação” mesmo após a morte dessas pessoas.
Pelo visto, o conceito de cultura varia no tempo, no espaço e em sua essência. Tylor, Linton, Boas e Malinowski consideram a cultura como idéias. Para Kroeber e Kluckhohn, Beals e Hoijer ela consiste em abstrações do comportamento. Keesing e Foster a definem como comportamento aprendido. Leslie
A. White apresenta outra abordagem: a cultura deve ser vista não como comportamento, mas em si mesma, ou seja, fora do organismo humano. Ele, Foster e outros englobam no conceito de cultura os elementos materiais e não materiais da cultura. A colocação de Geertz difere das anteriores, na medida em que propõe a cultura como um “mecanismo de controle” do comportamento.
Essas colocações divergentes, ao longo do tempo, permitem apreender a cultura como um todo, sob os vários enfoques.
A cruz, por exemplo, pode ser vista sob essas diferentes concepções:
a. idéia - quando se formula a sua imagem na mente;
b. abstração do comportamento - quando ela representa, na mente, um símbolo dos cristãos;
c. comportamento aprendido - quando os católicos fazem o sinal da cruz;
d. coisa extra-somática - quando é vista por si mesma, independente da ação, tanto material quanto imaterial;
e. mecanismo de controle - quando a Igreja a utiliza para afastar o demônio ou para obter a reverência dos fiéis.
A cultura, portanto, pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob vários enfoques: idéias (conhecimento e filosofia); crenças (religião e superstição); valores (ideologia e moral); normas (costumes e leis); atitudes (preconceito e respeito ao próximo); padrões de conduta (monogamia, tabu); abstração do comportamento (símbolos e compromissos); instituições (família e sistemas econômicos); técnicas (artes e habilidades); e artefatos (machado de pedra, telefone).
Os artefatos decorrem da técnica, mas a sua utilização é condicionada pela abstração do comportamento. As instituições ordenam os padrões de conduta, que decorrem de atitudes condicionadas em normas e baseadas em valores determinados tanto pelas crenças quanto pelas idéias.
1.2 Localização da cultura
As coisas e acontecimentos que constituem a cultura, segundo Leslie A. White, encontram-se no espaço e no tempo, e são classificadas em:
a. “intra-orgânica - dentro de organismos humanos (conceitos, crenças, emoções, atitudes);
b. interorgânica - dentro dos processos de interação social entre os seres humanos;
c. extra-orgânica - dentro de objetos materiais (machados, fábricas, ferrovias, vasos de cerâmica) situados fora de organismos humanos, mas dentro dos padrões de interação social entre eles”.
Para esse autor, um item qualquer - conceito, crença, ato, objeto - deve ser considerado um elemento da cultura, desde que:
a. haja simbolização (representação por meio de símbolos);
b. seja analisado em um contexto extra-somático.
1.3 Essência da cultura
A cultura, para os antropólogos, de forma geral, consiste, como já foi mencionado, em idéias, abstrações e comportamento.
IDÉIAS. Idéias são concepções mentais de coisas concretas ou abstratas, ou seja, toda variedade de conhecimentos e crenças teológicas, filosóficas, científicas, tecnológicas, históricas etc.
Exemplo - Línguas, arte, mitologia etc.
Para alguns estudiosos, a cultura consiste em idéias, sendo, portanto, um fenômeno mental que exclui os objetos materiais e o comportamento observável.
Essa concepção, segundo White, é “ingênua, pré-científica e ultrapassada”. A cultura, na verdade, é constituída de idéias, mas em parte; atitudes, atos evidentes e objetos também são cultura.
ABSTRAÇÕES. Consiste naquilo que se encontra apenas no domínio das idéias, da mente, excluindo-se totalmente as coisas materiais.
Vários autores afirmam que a cultura é uma abstração ou consiste em abstrações, ou seja, coisas e acontecimentos não observáveis, não palpáveis, não tocáveis.
Novamente, Leslie A. White discorda dessa colocação. Para ele, abstração significa algo “imperceptível, imponderável, intangível (...) ontologicamente irreal”, o que estaria fora do campo científico.
COMPORTAMENTO. São modos de agir comuns a grupos humanos ou conjuntos de atitudes e reações dos indivíduos em face do meio social.Inúmeros antropólogos consideram a cultura como comportamento aprendido, característico dos membros de uma sociedade, uma vez que o comportamento instintivo é inerente aos animais em geral. Sob esse ponto de vista, os instintos, os reflexos inatos e outras formas de comportamento predeterminadas biologicamente devem ser excluídos. Cultura resulta da invenção social; é aprendida e transmitida por meio da aprendizagem e da comunicação.
Para White, os atos (acontecimentos) e os objetos (coisas) não são comportamento humano, mas “uma concretização do comportamento humano”. A cultura consiste, portanto, em uma série de coisas reais que podem ser observáveis, ser examinadas num contexto extra-somático. Para ele, há três tipos de simbolados (significados):
1. idéias;
2. atos evidentes;
3. objetos materiais.
1.4 Classificação da cultura
A cultura pode ser classificada de diversas maneiras: material ou imaterial (não material, espiritual), real ou ideal.
CULTURA MATERIAL (ERGOLOGIA). Consiste em coisas materiais, bens tangíveis, incluindo instrumentos, artefatos e outros objetos materiais, fruto da criação humana e resultante de determinada tecnologia. Abrange produtos concretos, técnicas, construções, normas e costumes que regularizam seu emprego.
Exemplos - Machados de pedra, vasos de cerâmica, alimentos, máscaras, vestuário, habitações, máquinas, navios, satélites artificiais, cachimbo da paz, cruz, estrela de David etc.
CULTURA IMATERIAL (ASPECTOS ANIMOLÓGICOS). Refere-se a elementos intangíveis da cultura, que não têm substância material. Entre eles encontram-se as crenças, conhecimentos, aptidões, hábitos, significados, normas, valores.
Os membros de uma sociedade compartilham certos conhecimentos e crenças como reais e verdadeiros.
Exemplo - A crença na existência de seres sobrenaturais como deuses, espíritos, fantasmas.
Para Hoebel (In Shapiro, 1966:217), a cultura não material “consiste no comportamento em si, tanto manifesto (atividade motora) quanto não manifesto (que se passa no íntimo das pessoas)”. Muitas vezes, a cultura imaterial encontra-se em perfeita fusão com a material. A cerimônia de casamento, por exemplo, apresenta os dois aspectos.
CULTURA REAL. É aquela em que, concretamente, todos os membros de uma sociedade praticam ou pensam em suas atividades cotidianas. Entretanto, a cultura real não pode ser percebida em sua totalidade, apenas parcialmente e, para isso, é necessário que os estudiosos a ordenem e demonstrem em termos compreensíveis.
O conhecimento científico nem sempre pode evidenciar a cultura real, mesmo que empregue os mais modernos e avançados métodos de pesquisa, porque o real sempre é apresentado como as pessoas o conhecem ou pensam que seja.
CULTURA IDEAL. A cultura ideal (normativa) consiste em um conjunto de comportamentos que, embora expressos verbalmente como bons, perfeitos, para o grupo, nem sempre são freqüentemente praticados. Muitas vezes, um indivíduo, pelo seu egoísmo, pode tomar uma linha de ação diferente, ou os valores não revelados, ocultos, podem levar a comportamentos contraditórios. A cultura ideal seria a perfeita, além, muitas vezes, do alcance comum.
Exemplo - Casamento indissolúvel seria o desejável pela sociedade ocidental cristã; casamento real, o que ocorre e nem sempre é satisfatório ou atende ao ideal.
1.5 Componentes da cultura
De modo geral, a cultura se constitui dos seguintes elementos: conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos.
CONHECIMENTOS. Todas as culturas, sejam simples ou complexas, possuem grande quantidade de conhecimentos que são cuidadosamente transmitidos de geração em geração.
Os conhecimentos, de modo geral, são práticos. Sobre o meio ambiente, por exemplo, os indivíduos aprendem principalmente aquilo que lhes permite a sobrevivência, ou seja, obtenção de alimentos, construções de abrigos ou habitações, meio de transporte, proteção contra as intempéries, contra os animais ferozes etc.
O conhecimento engloba também aspectos referentes à organização social, à estrutura do parentesco, aos usos e costumes, às crenças, às técnicas de trabalho etc.
CRENÇAS. Crença é a aceitação como verdadeira de uma proposição comprovada ou não cientificamente. Consiste em uma atitude mental do indivíduo, que serve de base à ação voluntária. Embora intelectual, possui conotação emocional.
Há crenças falsas e verdadeiras, dependendo da evidência certa, efetiva ou de aparências enganosas.
Para Goodenough (In Kahn, 1975:207), são três os tipos de crenças:
a. “Pessoais - as proposições aceitas por um indivíduo como certas independentes das crenças dos demais.”
Exemplo - Acreditar em lobisomem.
b. “Declaradas - as proposições que uma pessoa aparenta aceitar como verdadeiras, em seu comportamento público, e que as menciona apenas para defender ou justificar suas ações perante os outros.”
Exemplos - Favorável à democracia, à igualdade dos sexos, ausência de preconceitos.
c. “Públicas - as proposições que os membros de um grupo concordam, aceitam e declaram como suas crenças comuns.”
Exemplos - O mistério da encarnação para os cristãos; a reencarnação para hindus e espíritas; a hierarquia militar nas Forças Armadas.
Outros autores classificam as crenças, ainda, em: cientificas, quando podem ser comprovadas (ida do homem à lua); supersticiosas, quando não se pratica determinada ação com medo que lhe aconteça algo ruim (não dar esmola pela janela para não ficar pobre); extravagantes, quando fogem ao comum (a mulher grávida sentar-se no pilão para dar à luz mais facilmente).
Há crenças benéficas, quando resultam em algum benefício (podar as roseiras na lua nova, no mês de julho ou agosto, para que brotem viçosas); ou maléficas, quando causam mal a alguém (imolação de recém-nascidos para obter proteção de deuses).
VALORES. O termo valor, de modo geral, é empregado para indicar objetos e situações consideradas boas, desejáveis, apropriadas, importantes, ou seja, para indicar riqueza, prestígio, poder, crenças, instituições, objetos materiais etc. Além de expressar sentimentos, o valor incentiva e orienta o comportamento humano.
Existem dois elementos no valor: um, emocional, e outro, ideacional.
Exemplo - Gostar, desejar.
Os valores variam de acordo com a maior ou menor importância que os membros de uma sociedade lhes atribuem. Sendo um estado mental, uma realidade psicológica, o valor não pode ser medido pelos meios até agora descobertos, uma vez que sua realidade se encontra na mente humana. Todavia, pode ser reconhecida sua existência, por meio da pesquisa social ou psicológica.
As sociedades, em geral, possuem valores dominantes e secundários, havendo uma escala de graduação entre os dois pólos.
Exemplos de valores:
• dominantes - liberdade de expressão, de religião, de direito à vida;
• secundários - servir café às visitas, presentear a parturiente, agradecer cartões de Boas Festas.
Williams (Apud Johnson, 1967:102) aponta quatro critérios dos valores dominantes:
a. amplitude - valor revelado por meio da proporção e atividade de uma população (direitos humanos);
b. duração - tempo de permanência do valor (liberdade religiosa);
c. intensidade - grau elevado da procura e mantença do valor (conquista da independência política);
d. prestígio - importância dada ao valor pelos seus portadores (direito à propriedade).
O termo valor, em sentido amplo, pode ter vários significados. Em sentido restrito, para Raymond Firth (1974:59 e 60), ele significa “a qualidade da preferência atribuída e um objeto, em virtude de uma relação entre meios e fins, na ação social”.
Para Firth, há seis tipos de qualidades do valor:
a. tecnológico - qualidade do alimento;
b. econômico - condições de comercialização;
c. moral - alimento para todos: ricos e pobres;
d. ritual - proibição de comer carne de porco (muçulmanos); de vaca (indianos);
e. estético - apresentação de um prato alimentício;
f. associativo - jantar comemorativo.
NORMAS. Normas são regras que indicam os modos de agir dos indivíduos em determinadas situações. Consistem, pois, em um conjunto de idéias, de convenções referentes àquilo que é próprio do pensar, sentir e agir em dadas situações.
As culturas são constituídas de normas comportamentais, ou seja, de um tipo de conduta que ocorre com maior ou menor freqüência.
Para Beals e Hoijer (1969:268), há dois tipos de normas compreendidas em uma cultura: as ideais e as comportamentais.
a. Normas Ideais - aquelas que os membros de uma sociedade deveriam praticar ou dizer, em dada situação, acatando as regras estabelecidas pela cultura. Representa os deveres e desejos de uma cultura particular.
Exemplo - Enterrar ou cremar os mortos.
As normas ideais, para Beals e Hoijer, podem ser classificadas em cinco categorias:
• obrigatórias - não se pode fugir a elas (andar vestido);
• preferenciais - um modo de comportamento mais valorizado do que outro (juventude usar jeans);
• típicas - quando, entre vários modos de comportamento aceitáveis, um deles é mais usado (cabelos longos e colares dos hippies);
• alternativas - quando são aceitos diferentes modos de conduta, sem que haja diferença de valoração ou de freqüência de uso (mulher usar calça comprida ou saia);
• restritas - formas de conduta aceitas apenas por alguns membros da sociedade (indumentária do monge budista);
b. Normas Comportamentais - são os comportamentos reais dos indivíduos, em determinadas situações, que fogem às normas ideais.
Exemplo - A pulseira no tornozelo.
Toda sociedade engloba um conjunto de conhecimentos, crenças, valores e normas de comportamento que, embora seja uma herança acumulada do passado, continuamente, a cada geração, vai-se aperfeiçoando.
SÍMBOLOS. Símbolos são realidades físicas ou sensoriais aos quais os indivíduos que os utilizam lhes atribuem valores ou significados específicos. Comumente representam ou implicam coisas concretas ou abstratas.
Pessoas, gestos, palavras, ordens, sinais sensoriais, fórmulas mágicas, valores, crenças, poder, solidariedade, sentimentos, cerimônias, hinos, bandeiras, textos sagrados, objetos materiais etc., que tenham adquirido significado específico, representante em um contexto cultural, por meio de atos, atitudes e sentimentos, constituem-se símbolos.
Os significados podem ser:
a. Arbitrários - à medida que não têm relação obrigatória com as propriedades físicas dos fenômenos que os recebem. Fora do campo lingüístico, a ligação entre símbolo e objeto caracteriza-se pela total ausência de afinidade intrínseca.
Exemplo - Não há relação necessária entre a cruz (propriedade física) e os valores simbólicos que os cristãos lhe atribuem.
b. Partilhados - quando o símbolo tem o mesmo significado para diferentes culturas (geral) ou para determinada sociedade (particular).
Exemplo - A palma, como aplauso, é conhecida em quase todas as sociedades humanas. A palma que o crente bate frente ao templo xintoísta, no Japão, para chamar a atenção de seu deus (como a dizer: - estou aqui) é conhecida apenas entre os adeptos dessa religião.
c. Referenciais - quando os símbolos referem-se a uma coisa específica.
Exemplo - A cor branca, símbolo de luto entre os chineses; hino nacional brasileiro.
A simbolização permite ao homem transmitir seus conhecimentos aprendidos e acumulados durante as diferentes gerações. Eles resguardam os valores considerados básicos para a perpetuação da cultura e da sociedade. A criação deles consiste, basicamente, na associação de significados àquilo que se pode perceber pelos sentidos, ou seja, ver, ouvir, tocar, cheirar.
O símbolo social, tendo significado partilhado, pode comunicar tal significado; mas se o indivíduo desconhece os valores simbólicos utilizados em uma cultura, ele precisa ser instruído acerca do mesmo para poder entendê-lo, ou inferir, através da observação, o seu significado. Quando os símbolos são estabelecidos entre pessoas preparadas para saber a forma e o sentido que eles têm na tradição cultural, esses indivíduos participam de entendimentos comuns. Um observador está sujeito a erros, quando tenta inferir significados baseado nos de sua própria cultura. Entretanto, se o sentido e a forma estiveram correlacionados com os de sua cultura, ele terá maior probabilidade de acerto.
Em muitos tipos de comunicação e expressão, incluindo religião e arte, os símbolos são de fundamental importância. Nas culturas, a língua consiste em um dos sistemas mais importantes de símbolo, sendo a fala sua forma principal.
1.6 Relativismo cultural
A posição cultural relativista tem como fundamento a idéia de que os indivíduos são condicionados a um modo de vida específico e particular, por meio do processo de endoculturação. Adquirem, assim, seus próprios sistemas de valores e sua própria integridade cultural. As culturas, de modo geral, diferem umas das outras em relação aos postulados básicos, embora tenham características comuns.
Toda a cultura é considerada como configuração saudável para os indivíduos que a praticam. Todos os povos formulam juízos em relação aos modos de vida diferentes dos seus. Por isso, o relativismo cultural não concorda com a idéia de normas e valores absolutos e defende o pressuposto de que as avaliações devem ser sempre relativas à própria cultura onde surgem.
Os padrões ou valores de certo ou errado, dos usos e costumes, das sociedades em geral, estão relacionados com a cultura da qual fazem parte. Dessa maneira, um costume pode ser válido em relação a um ambiente cultural e não a outro e, mesmo, ser repudiado.
Exemplo - No Brasil, come-se manteiga; na África, ela serve para untar o corpo. Pescoços longos (mulheres-girafas da Birmânia), lábios deformados (indígenas brasileiros), nariz furado (indianas), escarificação facial (entre aborígenes australianos), deformações cranianas (índios sul-americanos) são valores culturais para essas sociedades. Esses tipos de adornos significam beleza. O infanticídio e o gerontocídio, costumes praticados em algumas culturas (esquimós), são totalmente rejeitados por outras.
1.7 Etnocentrismo
O conceito de etnocentrismo acha-se intimamente relacionado ao de relativismo cultural. A posição relativista liberta o indivíduo das perspectivas deturpadoras do etnocentrismo, que significa a supervalorização da própria cultura em detrimento das demais. Todos os indivíduos são portadores desse sentimento e a tendência na avaliação cultural é julgar as culturas segundo os moldes da sua própria. A ocorrência da grande diversidade de culturas vem testemunhar que há modos de vida bons para um grupo e que jamais serviriam para outro.
Toda referência a povos primitivos e civilizados deve ser feita em termos de culturas diferentes e não na relação superior/inferior. O etnocentrismo pode ser manifestado no comportamento agressivo ou em atitudes de superioridade e até de hostilidade. A discriminação, o proselitismo, a violência, a agressividade verbal são outras formas de expressar o etnocentrismo.
Entretanto, o etnocentrismo apresenta um aspecto positivo, ao ser agente de valorização do próprio grupo. Seus integrantes passam a considerar e aceitar o seu modo de vida como o melhor, o mais saudável, o que favorece o bem-estar individual e a integração social.
1.8 Função da cultura
A cultura é formada de milhares de traços culturais selecionados, mas integrados, formando um todo. Sem exceção, cada traço possui forma e função.
a. Forma - feitio ou maneira como uma coisa se apresenta ou se manifesta. Feição exterior, que caracteriza determinado elemento da cultura. Assim, cada traço cultural possui sua forma específica.
Exemplo - Anel, cachimbo, casa, cerimônia de casamento, funeral, processo jurídico etc.
b. Função - tipo de ação ou procedimento inter-relacionado de traços de cultura. A maneira como um elemento se relaciona com outros contribui para o modo de vida global.
Exemplo - Um anel pode ter diferentes formas (medidas) materiais, figuras e várias funções (enfeite, compromisso, status).
Cada traço cultural dá à cultura total uma contribuição, e o modo como eles se inter-relacionam leva à estrutura da cultura.
2 Estrutura da cultura
Para analisar a cultura, alguns antropólogos desenvolveram conceitos de traços, complexos e padrões culturais.
2.1 Traços culturais
Em geral, os antropólogos consideram os traços culturais como os menores elementos que permitem a descrição da cultura. Referem-se, portanto, à menor unidade ou componente significativo da cultura, que pode ser isolado no comportamento cultural. Embora os traços sejam constituídos de partes menores, os itens, estes não têm valor por si sós.
Exemplo - Uma caneta pode existir com um objetivo definido, mas sé pode funcionar como unidade cultural em sua associação com a tinta, convertendo-se assim em um traço cultural. O mesmo ocorre com os óculos (precisam da associação da lente com a armação) e o arco e a flecha (arma).
Alguns traços culturais são simples objetos, ou seja, cadeira, mesa, brinco, colar, machado, vestido, carro, habitação etc. Os traços culturais não materiais compreendem atitudes, comunicação, habilidades.
Exemplo - Aperto de mão, beijo, oração, poesia, festa, técnica artesanal etc.
Nem sempre a idéia de traço é facilmente identificável em uma cultura, em face da integração, total ou parcial, de suas partes. Muitas vezes, fica difícil saber quando uma “unidade mínima identificável” pode ser considerada um traço ou um item.
Exemplo - O feijão, como prato alimentício, é um traço cultural material; mas o feijão, como um dos ingredientes da feijoada, toma-se apenas um item dessa dieta brasileira.
Os estudiosos da cultura, na verdade, estão mais preocupados com o significado e a maneira como os traços se integram em uma cultura, do que com o seu total acervo.
O mesmo material, utilizado e organizado por pessoas pertencentes a duas sociedades diversas, pode chegar a resultados diferentes; vai depender da utilização e da importância ou valor do objeto para cada uma dessas culturas.
Exemplo - Um artesão pode, com fibras de junco, confeccionar cadeiras (Brasil) ou casas (Iraque).
Em cada cultura, deve-se estudar não só os diferentes traços culturais encontrados, mas, principalmente, a relação existente entre eles. “Todo elemento cultural tem dois aspectos: subjetivo e objetivo” (o objeto em si e o seu significado) (White, 1975:140-1).
Atualmente, parece que os antropólogos têm preferido o termo elemento cultural, em substituição a traço cultural. Hoebel e Frost (1981:20 ss) definem elemento cultural como “a unidade reconhecidamente irredutível de padrões de comportamento aprendido ou o produto material do mesmo”.
2.2 Complexos culturais
Complexos culturais consistem no conjunto de traços ou num grupo de traços associados, formando um todo funcional; ou ainda um grupo de características culturais interligadas, encontrado em uma área cultural.
O complexo cultura é constituído, portanto, de um sistema interligado, interdependente e harmônico, organizado em torno de um foco de interesse central.
Cada cultura engloba um número grande e variável de complexos inter-relacionados. Dessa maneira, o complexo cultural engloba todas as atividades relacionadas com o traço cultural.
Exemplo - O carnaval brasileiro, que reúne um grupo de traços ou elementos relacionados entre si, ou seja, carros alegóricos, música, dança, instrumentos musicais, desfile, organização etc. A cultura do café, que abrange técnicas agrícolas, instrumentos, meios de transporte, máquinas. O complexo do fumo, entre sociedades tribais, envolvendo cultivo, produto, e os mais variados usos sociais e cerimoniais; o complexo do casamento, da tecelagem caseira etc.
2.3 Padrões culturais
Padrões culturais são, segundo Herskovits (1963:231), “os contornos adquiridos pelos elementos de uma cultura, as coincidências dos padrões individuais de conduta, manifestos pelos membros de uma sociedade, que dão ao modo de vida essa coerência, continuidade e forma diferenciada”.
O padrão resulta do agrupamento de complexos culturais de um interesse ou tema central do qual derivam o seu significado. O padrão de comportamento consiste em uma norma comportamental, estabelecida pelos membros de determinada cultura. Essa norma é relativamente homogênea, aceita pela sociedade, e reflete as maneiras de pensar, de agir e de sentir do grupo, assim como os objetos materiais correlatos.
Herskovits aponta dois significados nos padrões, que embora pareçam contraditórios, na verdade, são complementares:
a. Forma - quando diz respeito às características dos elementos.
Exemplo - Casas cobertas de telha e não de madeira.
b. Psicológico - quando se refere à conduta das pessoas.
Exemplo - Comer com talher e não com pauzinhos.
Os indivíduos, através do processo de endoculturação, assimilam os diferentes elementos da cultura e passam a agir de acordo com os padrões estabelecidos pelo grupo ou sociedade.
O padrão cultural é, portanto, um comportamento generalizado, estandardizado e regularizado; ele estabelece o que é aceitável ou não na conduta de uma dada cultura.
Nenhuma sociedade é totalmente homogênea. Existem padrões de comportamento distintos para homens e mulheres, para adultos e jovens. Quando os elementos de uma sociedade pensam e agem como membros de um grupo, expressam os padrões culturais do grupo.
O comportamento do indivíduo é influenciado pelos padrões da cultura em que vive. Embora cada pessoa tenha caráter exclusivo, devido às próprias experiências, os padrões culturais, de diferentes sociedades, produzem tipos distintos de personalidades, característicos dos membros dessas sociedades. O padrão forma-se pela repetição contínua. Quando muitas pessoas, em dada sociedade, agem da mesma forma ou modo, durante um largo período de tempo, desenvolve-se um padrão cultural.
Exemplos - O matrimônio, como padrão cultural brasileiro, engloba o complexo do casamento, que inclui vários traços (cerimônia, aliança, roupas, flores, presentes, convites, agradecimentos, festa, jogar arroz nos noivos, amarrar latas no carro etc.); o complexo da vida familiar, de cuidar da casa, de criar os filhos, de educar as crianças.
Ir à igreja aos domingos, participar do carnaval, assistir ao futebol, comer três vezes ao dia são alguns dos inúmeros padrões de comportamento que constituem a cultura total.
2.4 Configurações culturais
Configuração cultural consiste na integração dos diferentes traços e complexos de uma cultura, com seus valores objetivos mais ou menos coerentes, que lhe dão unidade.
Ruth Benedict (s.d.: 37), que introduziu a idéia de configuração cultural na Antropologia moderna, escreve: “uma cultura é um modelo mais ou menos consistente de pensamento e ação (...). Não é apenas a soma de todas as suas partes, mas o resultado de um único arranjo e única inter-relação das partes, do que resultou uma nova entidade”.
A configuração cultural é uma qualidade específica que caracteriza uma cultura. Tem sua origem no inter-relacionamento de suas partes.
Desse modo, a cultura deve ser vista como um todo, cujas partes estão de tal modo entrelaçadas, que a mudança em uma das partes afetará as demais. Ao estudar uma cultura, deve-se ter visão conjunta de suas instituições, costumes, usos, meios de transporte etc. que estejam influindo entre si.
Duas sociedades com a mesma soma de elementos culturais podem apresentar configurações totalmente diferentes, dependendo do modo como esses elementos estão organizados e relacionados.
Exemplo - Índios Pueblo e Navajo das Planícies (USA).
2.5 Áreas culturais
As áreas culturais são territórios geográficos onde as culturas se assemelham. Os traços e complexos culturais mais significativos estão difundidos, resultando um modo peculiar e característico de seus grupos constituintes.
A área cultural refere-se a um território relativamente pequeno em relação ao da sociedade global, no qual os indivíduos compartilham os mesmos padrões de comportamento.
A área cultural nem sempre corresponde às divisões geográficas, administrativas ou políticas. O conceito, que em princípio referia-se mais à cultura material do que a outros aspectos, tomou-se, com o passar do tempo, em face das pesquisas realizadas, mais abrangente.
O estudo das áreas é importante para o conhecimento de povos ágrafos ou para análise histórica das tribos antigas, a fim de descobrir a origem e difusão de traços culturais. É importante também para verificar as mudanças que ocorrem na cultura.
2.6 Subcultura
O termo subcultura, em geral, significa alguma variação da cultura total. Para Ralph Linton, a cultura é um agregado de subculturas. Subcultura pode ser considerada como um meio peculiar de vida de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. Embora os padrões da subcultura apresentem algumas divergências em relação à cultura central ou à outra subcullura, mantêm-se coesos entre si. A subcultura não tem conotação valorativa, ou seja, não é superior ou inferior a outra; são apenas diferentes, devido à organização e estrutura de seus elementos. Também não está necessariamente ligada a determinado espaço geográfico. Uma área cultural pode corresponder a uma subcultura, mas dificilmente ocorre o inverso, isto é, uma subcultura identificar-se com determinada área cultural.
Alguns antropólogos associam o termo subcultura a certos grupos regionais, étnicos, castas e classes sociais.
Exemplo - Os quíchua do Peru, os índios das Planícies (USA), a cultura do Nordeste brasileiro
3 Nível de participação
As culturas são constituídas de normas comportamentais ou costumes. Ralph Linton (1965:298 ss) classifica essas normas em três grupos, de acordo com o nível de participação - obrigatório ou facultativo - dos indivíduos. Em cada cultura distinguem-se, portanto, os universais, as especialidades e as alternativas. Além disso, pode-se considerar as peculiaridades individuais.
3.1 Universais
Embora o conteúdo da cultura varie de uma sociedade para outra, existem padrões de conduta característicos de todos os membros de uma sociedade, os universais. Abrangem idéias, costumes, reações emotivas condicionadas, comuns a todos os membros de determinada sociedade.
Em uma cultura simples predominam as normas universais, ao contrário das sociedades grandes e complexas. A língua e os padrões morais dominantes são sempre universais em qualquer cultura. Os valores, princípios que justificam e explicam as normas, são os universais de maior importância (monogamia, democracia, liberdade, para várias sociedades).
Nem sempre uma norma considerada universal para uma sociedade o é também para outra, mas pode aparecer como uma alternativa ou especialidade. São universais: as tradições, os usos, as idéias, os costumes conhecidos e praticados por todos os componentes da cultura.
Exemplo - A proibição do incesto, encontrada entre todos os povos do mundo, salvo poucas e raras exceções; andar vestido, em muitas sociedades; enterrar ou cremar os mortos; língua portuguesa no Brasil.
3.2 Especialidades
Em todas as sociedades, certas normas, praticadas e seguidas apenas por alguns grupos, são chamadas especialidades. Podem ser conhecidas pelos outros membros da sociedade, mas não são praticadas por eles. Há, portanto, padrões de conduta compartilhados apenas por certos indivíduos ou um subgrupo particular.
Esses padrões de comportamento consistem em conhecimentos e capacidades, reciprocamente interdependentes, atribuídos a diferentes partes da sociedade. São habilidades e conhecimentos técnicos de diferentes categorias ocupacionais como ama-de-leite, artesão, feiticeiro, curandeiro, administrador, arquivista, engenheiro etc.
O conjunto de especialidades, embora não seja compartilhado por toda a sociedade, é aceito por ela, uma vez que possibilita o desenvolvimento de habilidades manuais, dos conhecimentos e de técnicas que, em forma de bens e serviços, vêm favorecer a todos.
Um indivíduo jamais pode adquirir ou manifestar todos os elementos de sua cultura, assim como um estudioso jamais terá condições de arrolar todos os aspectos da cultura.
As especialidades são hábitos e idéias pertencentes a determinados grupos de sexo, idade, profissionais, religiosos.
Exemplo - Saudação do escoteiro; o V da vitória.
3.3 Alternativas
Em todas as culturas existem inúmeros traços partilhados por certo número de indivíduos, mas que não são comuns a todos os membros da sociedade, nem aos grupos de especialização, por não se assemelharem a qualquer categoria especial de ocupação. As alternativas variam amplamente e estão vinculadas à livre escolha.
Para uma mesma situação, a cultura oferece várias fórmulas, e assim o indivíduo pode fazer sua opção aceitando uma ou outra modalidade. São, portanto, padrões culturais não obrigatórios, como os universais, mas facultativos.Nas culturas de sociedades pequenas - tribais ou ágrafas - o número de alternativas é reduzido, ao passo que nas sociedades grandes e complexas é enorme.
Exemplo - Mulher optar por saia ou calça comprida; ser ou não vegetariano.
3.4 Peculiaridades individuais
As peculiaridades ficam além dos limites da cultura e constituem as características pessoais do indivíduo. Embora adquiridas por meio de condicionamentos diversos, não são compartilhadas por outrem.
Exemplo - Habilidade manual de um artesão; apreciar ou não música; medo de andar de avião.
Os universais e as especialidades, por serem mais estáveis, formam o núcleo da cultura. A coesão de uma sociedade está intimamente relacionada com o equilíbrio entre os universais e as especialidades.
Apesar de não partilhadas por todos os membros da sociedade, as alternativas são importantes na dinâmica da cultura, pois, caso se difundam, sejam imitadas ou seguidas, incorporam-se à cultura. Há sempre alguém, numa comunidade, que descobre ou inventa coisas.
.4 Qualidades da cultura
A cultura significa o modo de vida de um povo e manifesta-se nos seus atos e nos seus artefatos. Os modos de comportamento que compõem a cultura de qualquer sociedade representam generalizações de comportamento de todos ou de alguns como membros da sociedade. A cultura é social, seletiva, explícita e implícita.
4.1 Social
A cultura é criada, aprendida e acumulada pelos membros do grupo e transmitida socialmente de uma geração a outra e perpetuada em sua forma original ou modificada. Os indivíduos aprendem a cultura ou os aspectos da cultura no transcurso de suas vidas, dos grupos em que nascem ou convivem. Dessa maneira, ela é compartilhada por todos.
A cultura é dinâmica e contínua, em virtude de estar constantemente se modificando, em face dos contatos com outros grupos ou com suas próprias descobertas e invenções, ampliando, dessa maneira, o acervo cultural de geração em geração. Varia, portanto, no tempo e no espaço.
O crescimento da cultura, todavia, não é uniforme; pode haver épocas de grande desenvolvimento, de paradas e até de retrocessos. A alteração pode ser realizada por substituição ou por acumulação, tomando de empréstimo elementos de outra cultura, conservando-os ou adaptando-os.
Quando os elementos componentes de uma cultura se harmonizam e se completam, tem-se a integração cultural, que aparece em diferentes graus de interação, levando a uma participação geral.
A cultura é padronizada à medida que todos os membros de uma sociedade agem da mesma maneira.
.4.2 Seletiva
As sociedades, ao construírem suas culturas, através dos tempos, nem sempre incluem todos os padrões comportamentais dominantes de outras culturas, por várias razões:
1. por estarem latentes nas sociedades anteriores;
2. para não perturbar a ordem estabelecida;
3. por serem, muitas vezes, contraditórios ou conflitantes com os seus.
A seleção nem sempre ocorre por acaso; é feita levando-se em consideração certos postulados básicos a respeito não só do homem, como do mundo que o cerca.
Hoebel e Frost (1981:20) apontam dois postulados básicos:
a. existenciais - relativos à natureza da existência;
b. normativos - referentes às coisas e ao homem no que tange ao bom ou ao ruim.
Muitas vezes, a sociedade preocupa-se com a escolha de padrões complexos, coerentes e compatíveis com seu modo de vida, tentando conseguir maior integração. A seleção pode ser consciente e desejada, mas a adoção de alguns padrões ou valores se faz de forma inconsciente.
Em certos setores da cultura nem sempre se encontram justificativas para o aparecimento ou desaparecimento de alguns padrões culturais. Muitas vezes, convivem, lado a lado, dois traços culturais opostos: o emprego de uma técnica avançada com outra superada.
Exemplo - Nos garimpos de diamantes, tanto há homens trabalhando com máquinas especializadas quanto com bateias ou peneiras.
4.3 Explícita ou manifesta
A cultura explícita ou manifesta, também designada aberta, é aquela que pode ser exteriorizada por meio de ações e movimentos. Os padrões normativos tendem a ser francos, objetivos e conscientes.A cultura manifesta inclui hábitos, comportamentos, aptidões, práticas religiosas, normas em geral.
Exemplo - Abraço, dança, jogo. Porém, o exemplo mais típico é o da cultura material: artefatos, instrumentos, objetos.
4.4 Implícita ou não manifesta
A cultura implícita, não manifesta ou latente, é aquela que se encontra no íntimo das pessoas. É subjetiva, oculta, inconsciente ou dissimulada, portanto, perceptível somente pelo observador. Deve ser analisada minuciosamente através de normas manifestas que os incluem ou expressam.
A cultura não manifesta de uma sociedade, muitas vezes, não pode ser percebida nem pelos seus próprios membros, por não fazerem parte de sua vida cotidiana. Incluem valores, crenças, idéias, conhecimentos.
Exemplo - Reencarnação; modo de trajar da juventude atual.
5 Processos culturais
Processo é a maneira, consciente ou inconsciente, pela qual as coisas se realizam, se comportam ou se organizam. As culturas mudam continuamente, assimilam novos traços ou abandonam os antigos, através de diferentes formas. Crescimento, transmissão, difusão, estagnação, declínio, fusão são aspectos aos quais as culturas estão sujeitas.
5.1 Mudança cultural
Mudança é qualquer alteração na cultura, sejam traços, complexos, padrões ou toda uma cultura, o que é mais raro. Pode ocorrer com maior ou menor facilidade, dependendo do grau de resistência ou aceitação. O aumento ou diminuição das populações, as migrações, os contatos com povos e culturas diferentes, as inovações científicas e tecnológicas, as catástrofes (perdas de safras, epidemias, guerras), as depressões econômicas, as descobertas fortuitas, a mudança violenta de governo etc. podem exercer especial influência, levando a alterações significativas na cultura de uma sociedade.Quando o número de elementos novos, adotados, supera os antigos, que caíram em desuso, tem-se o crescimento da cultura. As mudanças podem ser realizadas com lentidão ou com rapidez (como ocorre atualmente, em face dos meios de comunicação) devido aos contatos diretos e contínuos entre povos.
A mudança pode surgir em conseqüência de fatores internos - endógenos (descoberta e invenção) ou externos - exógenos (difusão cultural). Assim, tem-se mudança quando:
a. novos elementos são agregados ou os velhos aperfeiçoados por meio de invenções;
b. novos elementos são tomados de empréstimo de outras sociedades;
c. elementos culturais, inadequados ao meio ambiente, são abandonados ou substituídos;
d. alguns elementos, por falta de transmissão de geração em geração, se perdem.
O crescimento de uma cultura não é uniforme nem contínuo, no espaço e no tempo, pois está sujeito a variações.
Quando os povos mantêm-se isolados ocorre a estagnação, pois a cultura permanece relativamente estática, modificando-se apenas em conseqüência de ações internas. Somente as culturas totalmente isoladas podem manter-se estáveis.
Se os elementos culturais desaparecem, tem-se o declínio cultural. Muitas vezes, condições religiosas, sociais e ambientais levam ao desaparecimento ou mudança de um complexo cultural. Por um lado, se um simples traço ou toda uma cultura pode desaparecer, por outro, o renascimento cultural pode ocorrer, em conseqüência de fatores endógenos ou exógenos.
Quando os elementos novos, acrescentados a uma cultura, forem menos significativos em relação aos anteriores, desaparecidos, a cultura permanecerá estacionária ou declinará.
O crescimento, no âmbito geral de uma cultura, não se processa no mesmo ritmo em todos os setores. Esse retardamento ou diferença de movimento entre as partes de uma cultura recebe o nome de demora ou retardamento cultural.
As modificações na cultura, segundo Murdock (In Shapiro, 1966:208 ss), estão relacionadas com quatro fatores: inovações, aceitação social, eliminação seletiva e integração.
INOVAÇÃO. A inovação, que sempre começa com o ato de alguém, pode ser efetuada de cinco maneiras:
a. Variação - representada por uma ligeira mudança nos padrões de comportamento.
b. Invenção ou descoberta - através da criatividade. Os processos de descoberta e invenção podem ser atribuídos à casualidade ou à necessidade. Algumas invenções são absolutamente locais; outras exigem um meio geográfico propício para se desenvolverem, por isso, são em número reduzido.
No campo das inovações, deve-se fazer distinção entre:
• descoberta - aquisição de um elemento novo, coisa já existente (eletricidade, vapor);
• invenção - aplicação da descoberta (lâmpada, máquinas).
As invenções, em geral, são atribuídas a substâncias concretas, mas o termo pode ser aplicado às coisas imateriais, como um novo costume, uma nova organização.
A invenção pode ser não volutiva ou acidental, e volutiva, ou seja, resultado de um processo racional.
No crescimento da cultura, cada novo traço cultural nada mais é do que o desenvolvimento de elementos culturais existentes anteriormente. Mesmo que pareçam totalmente novas, as invenções são compostas de velhos elementos, como os sindicatos, cuja origem se encontra na organização dos trabalhadores por ofícios. Poucos elementos de uma cultura são inventos locais: a grande parte da herança cultural brasileira, por exemplo, proveio de Portugal, de algumas regiões da África, da Europa e de outras localidades.
c. Tentativa - quando surgem elementos que tenham pouca ou nenhuma ligação com o passado.
Exemplo - Máquina de escrever e computadores.
d. Empréstimo cultural - elementos vindos de outra cultura.
De todas as inovações, o empréstimo cultural é o meio mais comum e importante. Depende do contato humano e, nesse caso, o inovador éapenas o seu introdutor. O empréstimo cultural não necessita ser completo; às vezes, a única coisa emprestada é a forma. Muitas vezes resulta do desejo de adoção de um elemento cultural mais adequado.
Exemplo - Fumo, arado, zen-budismo, Papai Noel etc.
e. Incentivo - elemento alheio, aceito por um povo quando atende a suas necessidades. É essencial ao empréstimo cultural.
Exemplo - Rádio, televisão, robô e computador.
ACEITAÇÃO SOCIAL. Aceitação é a adoção de um novo traço cultural através da imitação ou do comportamento copiado. No início, esse elemento pode ser aceito apenas por um indivíduo, estendendo-se depois aos demais. Preconceitos preexistentes dos membros de uma sociedade receptora facilitam ou bloqueiam a aceitação ou o empréstimo de uma nova possibilidade cultural.
A aceitação de um traço depende, muitas vezes, do seu significado. Ele é avaliado, aceito com ou sem modificações ou rejeitado, pela cultura receptora. A aceitação vai depender de sua utilização ou necessidade. Todavia, a sociedade pode aceitar traços não utilitários como um jogo, um mito, uma ideologia, mas a aceitação é mais demorada.
ELIMINAÇÃO SELETIVA. Consiste na competição pela sobrevivência feita pelo elemento novo. Quando um traço cultural ainda se revela mais compensador do que suas alternativas, ele perdura; mas quando deixa de satisfazer as necessidades do grupo, cai no desuso e desaparece, numa espécie de processo seletivo.
Exemplo - A liteira, a carruagem, o trole, que foram substituídos pelo automóvel, a bicicleta, a motocicleta etc.
INTEGRAÇÃO CULTURAL. O processo de integração, segundo Ralph Linton (1965:377), consiste no “desenvolvimento progressivo de ajustamento cada vez mais completo, entre os vários elementos que compõem a cultura total”. A integração é perfeita, pois há sempre modificações na cultura. Na integração deve haver adaptação progressiva, ajustamento recíproco entre os elementos culturais.
5.2 Difusão cultural
Difusão “é um processo, na dinâmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra”, afirmam Hoebel e Frost (1981:445). As culturas, quando vigorosas, tendem a se estender a outras regiões, sob a forma de empréstimo mais ou menos consistente. A difusão de um elemento da cultura pode realizar-se por imitação ou por estímulo, dependendo das condições sociais, favoráveis ou não, à difusão. O tipo mais significativo de difusão é o das relações pacificas entre os povos, numa troca contínua de pensamentos e invenções. Nem tudo, porém, é aceito imediatamente: há rejeições em relação a certos traços culturais. Quase sempre ocorre uma modificação no traço de uma cultura tomado de empréstimo pela outra, havendo reinterpretação posterior pela sociedade que o adotou.
Um traço, vindo de outra cultura através do empréstimo, pode sofrer reformulações quanto à forma, à aplicação, ao significado e à função.
As condições geográficas e o isolamento são fatores de impedimento à difusão cultural, que inclui três processos:
a. apresentação de um ou mais elementos culturais novos a uma sociedade;
b. aceitação desses elementos;
e. integração, na cultura existente, de um ou mais elementos.
5.3 Aculturação
Aculturação é a fusão de duas culturas diferentes que, entrando em contato contínuo, originam mudanças nos padrões da cultura de ambos os grupos. Pode abranger numerosos traços culturais, apesar de, na troca recíproca entre as duas culturas, um grupo dar mais e receber menos. Dos contatos íntimos e contínuos entre culturas e sociedades diferentes resulta um intercâmbio de elementos culturais. Com o passar do tempo, essas culturas fundem-se para formar uma sociedade e uma cultura nova. O exemplo mais comum relaciona-se com as grandes conquistas.
ASSIMILAÇÃO. A assimilação, como uma fase da aculturação, seria o processo mediante o qual os grupos que vivem em território comum, embora procedentes de lugares diversos, alcançam uma “solidariedade cultural”.
O termo aculturação, no entanto, vem sendo empregado ultimamente, também, como fusão de subculturas ou cultura rural versus cultura urbana.No processo de aculturação deve haver a fusão completa dos grupos de origens diversas, supressão de um grupo ou de ambos, e a persistência dos dois no equilíbrio dinâmico da sociedade.Segundo Herskovits, o termo aculturação “não implica, de modo algum, que as culturas que entram em contato se devam distinguir uma da outra como ‘superior’ ou ‘mais avançada’, ou como tendo um maior ‘conteúdo de civilização’, ou por diferir em qualquer outra forma qualitativa”.
Exemplo - A cultura brasileira resultou, em princípio, da fusão das culturas européia, africana e indígena.
O processo de aculturação inclui o processo de sincretismo e transculturação.
SINCRETISMO. Em religião, seria a fusão de dois elementos culturais análogos (crenças e práticas), de culturas distintas ou não.
Exemplo - Umbanda, que contém traços do catolicismo, do fetichismo africano e indígena e do espiritismo.
Em linguagem, consiste no uso de uma forma gramatical particular, a fim de realçar as funções de outra ou de outras, além da sua.
Exemplo - Abacaxi (fruta ou problema); pão (alimento ou rapaz bonito).
TRANSCULTURAÇÃO. A transculturação consiste na troca de elementos culturais entre sociedades diferentes.
Exemplo - Os sírio-libaneses trouxeram o quibe e a esfiha para o Brasil e adotaram o arroz com feijão.
A aculturação consiste, pois, em uma forma especial de mudança. A sociedade que sofre o processo de aculturação modifica a sua cultura, ajustando ou conformando seus padrões culturais aos daquela que a domina. Entretanto, embora sofra grandes alterações no seu modo de vida, conserva sempre algo de sua própria identidade.
No processo de aculturação, a mudança surge como um desvio das normas consuetudinárias existentes, afirmam Hoebel e Frost (49). O desvio é realizado de formas diferenciadas, ou seja, com “entusiasmo, desprezo, totalmente desaprovado, sancionado levemente ou lentamente ou totalmente rejeitado”.
Em nenhuma sociedade os processos de aculturação ocorrem total ou instantaneamente; a mudança é sempre mais rápida e aceita com maior facilidade em relação a traços materiais.
Quando um traço novo entra em competição com outro já existente e o substitui, tem-se a deculturação.
Exemplo - O fogão a gás que substitui o de lenha.
5.4 Endoculturação
O processo de “aprendizagem e educação em uma cultura desde a infância” é chamado enculturação tanto por Felix Keesing quanto por Hoebel e Frost. Herskovits emprega o termo endoculturação para conceituar a mesma coisa, significando, além disso, o processo que estrutura o condicionamento da conduta, dando estabilidade à cultura.
Cada indivíduo adquire as crenças, o comportamento, os modos de vida da sociedade a que pertence. Ninguém aprende, todavia, toda a cultura, mas esta condicionada a certos aspectos particulares da transmissão de seu grupo. As sociedades não permitem que seus membros hajam de forma diferenciada. Todos os atos, comportamentos e atitudes de seus membros são controlados por ela.
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